quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

From Sampa to Xanti

Eu caminho pelo passeio, os carros correm na Marginal, o trem segue o mau cheiro do rio, a manhã é gris-chorosa. Em alguns minutos estarei escondido sob um burocrático véu, um monitor e uma pilha de processos, mas eu não devia pensar nisso, trabalho não é coisa em que se pense quando não se está trabalhando, quando não se está trabalhando. A garoa cai e não apaga meu cigarro, apenas esfria minha alma leve, leve demais, leve por falta de densidade nos sentimentos. Ouço um reggae feito por um poeta que nada sabe de reggae, mas que me leva de Sampa pra Shanti por quatro minutos e treze segundos, emoção artificial que devolve o mar aos meus olhos ressecados, a única que minha alma aceita. A gente vê tanta coisa quando vive na megalópole, mas tanta informação, que nem dá tempo de pensar em todas e, se a gente não pensa, não se emociona (digam o que quiserem, emoção é coisa da cabeça sim).

Hoje, como em qualquer outro dia, ouvirei tristes histórias de gente cuja vida dependerá de mim pelo espaço máximo de uma hora, mas nada vai me importar. À tarde, minha doce amante perguntará do meu dia, se desmanchado nos sorrisos mais francos, mas também não vai me importar. À noite, minha ilustrada mulher pedirá ajuda com o jantar e me contará um algum caso político que ainda não conheço... E mais uma vez, não vou me importar.

A gente vive, a gente vive, a gente vive. Uma agitação feroz e sem finalidade. Não acredito mais em terapeutas: em sua gentileza, não me ajudam a resolver problemas, faze só com que eu lide com eles sem culpa nenhuma. Um terapeuta diria que Bandeira é neurótico por querer morrer, morrer completamente, de corpo e alma e obra. Mas eu acho que o entendo, é o que espero que me aconteça quando meu rio estancar, só espero não morrer pensando na vida e nas mulheres que amei...

Ninguém engole o cinza desse dia (se engole, não digere), nada calafeta os rejuntes do meu peito e já nem sei se há um peito por trás da minha gravata. Talvez eu me defina melhor pelo meu número de CPF e o valor do meu IR do que por idéias (blábláblá sem a menor razão de ser boiando no esgoto do pragmatismo humano). E o curioso é que, depois da decadência completa do esquerdismo, não há saída existencial pra nada, não há saída existencial pra nada.

É assim que a vida é, a vida na pós-utopia, um tédio eterno na moderna civilização. E eu sou esse cara, esse cara tão bem adequado ao meu tempo.

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