
A grande matriarca é a terceira de nove irmãs; é de 1918 e apesar da pompa de européia, já foi nascida no novo mundo, americana. Foi sobre ela que a maldição caiu primeiro: a maldição de amar mais que o próprio coração e se ver sozinha ao fim de tudo. Pois é, não se casou donzela de tão bela que era (independente do tempo em que se nasça, ser linda e não usufruir dessa beleza, tendo namoros com quem se bem entenda é dose, né?). Apesar de todo esforço pra conseguir um bom casamento, se apaixonou perdidamente pelo imigrante mais errado do mundo, um desses alemães meio nazistas que batem em mulher quando bebem. Ela foi, então, uma das primeiras mulheres a se divorciar, num tempo em que isso era a coisa mais grave do mundo. Criou sozinha suas três filhas, com quem vive ainda hoje.
A segunda geração nasce bem no início dos anos 40. Das três moças, era uma a mais trabalhadora, outra a mais malandra e a terceira, a mais bonita. A linhagem de que falo é a da trabalhadora – que dúvida! Ela se apaixonou, ainda bem jovem, por uma cara com idade pra ser seu pai, com uma família já formada e uma cor de pele inaceitável. A gravidez foi indesejada, a criança teria se perdido por esse mundo de meu-deus, mas a avó a criou ao fim das contas, o que provocou muito dor e revolta. A gente já-já vê isso. O fato é que essa mulher se tornou lésbica nos anos 70, mas isso não ludibriou a maldição: apesar de ela morrer de amor, seus casos se acabaram e hoje ela vive com a mãe.
A terceira geração é dos conflituosos anos 60. Filha única de mãe solteira, já ia nascendo na confusão, no pesar, na loucura de uma família e uma época muito tensas. Foi gay desde sempre, o que lhe provocou mais sofrimento ainda. Luta e dor sempre foram os nomes dessa mulher. Mas, como a gente sabe, quem sofre demais não pode se tornar uma pessoa bem-resolvida, numa-boa e coisa e tal: essa mulher, apesar de extremamente sedutora, tem um gênio terrível e isso derruba quem quer que esteja ao seu redor. Perdeu seus casos um a um, perdeu a companhia das filhas. Vive sozinha hoje.
As últimas mulheres da linhagem são ambas dos anos 80, uma época em que todas as utopias já vinham perdendo essência. Elas também vêm carregando a maldição nas costas: aos 20 anos, já tinham brigado muito, sofrido muito, já conheciam a solidão. Mas elas não acreditam no TEM-QUE-SER-ASSIM, elas querem peitar o mundo. Juraram que jamais se separariam uma da outra e que nunca, nunca reafirmariam o peso d’alma que é o uso em sua família já há três gerações. PORQUE AS MULHERES CONDENADAS A CEM ANOS DE SOLIDÃO HÃO DE TER OUTRA CHANCE SOBRE A TERRA.
Esse é o texto que fica pelos noventa anos da minha matriarca, a serem completos nesse ano.



Esse é o texto que fica pelos noventa anos da minha matriarca, a serem completos nesse ano.
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