quarta-feira, 17 de junho de 2009

Profª Olgária Matos

São Paulo, sexta-feira, 12 de junho de 2009

 

Reitora não tem mais condições de continuar, diz Olgária Matos

DA REPORTAGEM LOCAL

A filósofa Olgária Matos é professora titular daquela que é considerada a faculdade vermelha da USP, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Aposentou-se em 2003, mas acompanha atentamente a vida da instituição, na qual ingressou como estudante no ano anterior à promulgação do AI-5, em plena ditadura militar.
Considera que "a reitora não tem mais condições políticas de se manter no cargo", mas teme que, de novo, "se derrube o tirano sem tocar nas razões da tirania". Abaixo, trechos da entrevista concedida ontem. (LC)
 
 
FOLHA - O que deu errado na terça-feira?
OLGÁRIA MATOS
- É inadmissível que uma manifestação pacífica de estudantes e funcionários tenha de se enfrentar com a polícia dentro do campus universitário. Os manifestantes podiam até ter objetivos criticáveis -ou não-, mas, desde a Academia de Platão até as universidades modernas, esse recinto é o único preservado da violência policial porque é definido como o local que luta contra a violência, contra a barbárie. É o local em que se produz conhecimento, especulações, ciência. O local que faz parte do repertório da humanidade para se humanizar. Então não é o lugar que comporte a ocupação policial contra uma manifestação de estudantes desarmados.
 
FOLHA - A reitoria alega que a PM foi usada para impedir a depredação do patrimônio público e o desrespeito ao direito de não grevistas...
MATOS
- É preciso garantir o direito de ir e vir de todos os que participam da vida da universidade, é certo. Agora, como se chegou a esse ponto? Parece-me que os canais de contato entre os estudantes e a reitoria ou entre os funcionários e a reitoria estão muito precarizados.
Os funcionários apresentaram uma pauta de reivindicações, o que é algo obviamente legítimo.
Cabe à outra parte discuti-la.
Debatê-la. Agora, quando as instituições universitárias não debatem e, em vez disso, optam por enfrentar um protesto pacífico, de pessoas desarmadas, com o emprego de força militar, é porque têm uma sensação muito grande de perseguição. Alguma coisa muito séria está acontecendo com uma universidade que se torna incapaz de debater ideias diferentes.
 
FOLHA - Alunos, professores e funcionários exigem a saída da reitora...
MATOS
- Do ponto de vista global da instituição, politicamente, aconteceu uma espécie de vazio de poder. Quando se usa a violência, é porque se perdeu a autoridade. A universidade não é o lugar da força ou da violência. É o lugar da autoridade...
Agora, o jogo de forças entre os vários setores da universidade é que vai definir os próximos passos. Tenho certeza de que a atitude da reitora derivou de algum aconselhamento, provavelmente de professores mais conservadores, que a pressionaram a agir dessa maneira.
Porque ela não agiria assim sem se sentir respaldada. O que tudo indica é que a reitora não tem mais condições políticas de se manter. Na medida em que ela usou a violência, pela simples recusa ao debate, ficou comprometida a sua função institucional como intelectual.
O intelectual está lá para impedir o uso das armas. Ainda assim, eu me pergunto se -de novo, e porque é mais fácil- não se estaria derrubando o tirano, em vez das causas da tirania. Você pode substituir o reitor. E depois? É por isso que existe a luta, que não é de hoje, pela democratização das instâncias que elegem o reitor.
 

FOLHA - A PM deve sair da USP?
MATOS
- Imediatamente. A polícia estar lá é quase uma provocação... Uma sociedade é tanto mais feliz, tanto mais democrática, quanto mais ela conseguir conviver com seus contraditores. Uma sociedade que só é capaz de conversar com o mesmo não é uma sociedade.

aconteceu uma espécie de vazio de poder. Quando se usa a violência, é porque se perdeu a autoridade. A universidade não é o lugar da força ou da violência. É o lugar da autoridade...
Agora, o jogo de forças entre os vários setores da universidade é que vai definir os próximos passos. Tenho certeza de que a atitude da reitora derivou de algum aconselhamento, provavelmente de professores mais conservadores, que a pressionaram a agir dessa maneira.
Porque ela não agiria assim sem se sentir respaldada. O que tudo indica é que a reitora não tem mais condições políticas de se manter. Na medida em que ela usou a violência, pela simples recusa ao debate, ficou comprometida a sua função institucional como intelectual.
O intelectual está lá para impedir o uso das armas. Ainda assim, eu me pergunto se -de novo, e porque é mais fácil- não se estaria derrubando o tirano, em vez das causas da tirania. Você pode substituir o reitor. E depois? É por isso que existe a luta, que não é de hoje, pela democratização das instâncias que elegem o reitor.
 

FOLHA - A PM deve sair da USP?
MATOS
- Imediatamente. A polícia estar lá é quase uma provocação... Uma sociedade é tanto mais feliz, tanto mais democrática, quanto mais ela conseguir conviver com seus contraditores. Uma sociedade que só é capaz de conversar com o mesmo não é uma sociedade.

 

Folha de São Paulo, caderno Cotidiano

 

2 comentários:

  1. Concordo que o uso da policia foi errado, mas deve ser por não ser de humanas, mas não gosto desta mistificação e separação da universidade. De a colocar em um pedestal separado do resto da sociedade. Tenho a impressão que discursos como esses que distanciam ainda mais esses dois grupos acabam gerando mais tensão, pois impede a população que paga a conta de se identificar com a universidade e os seus problemas.

    Não concordo com a definição pessoal dela da universidade, de que É o lugar para lutar contra a violência. Não que não concorde com o ideal, mas não acredito que essa seja a definição real da universidade. Muitas vezes a universidade até pode ser usada para fins violentos, ou a pesquisa de armas só sai da iniciativa privada? Ou argumentos estúpidos como usados pela "evolução social" não vêem tb de acadêmicos? Acho que é dever da sociedade como todo, e não uma parte dela que deve lutar (talvez utopicamente) contra o uso como um todo da violência. E a universidade vai ajudar ou não neste ideal dependendo dos seus quadros.

    Eu sei que ela não falou isso, e que estou pondo palavras na boca dela, mas no fim fica parecendo que nas outras esferas da sociedade se pode usar a policia, só na universidade que não, que podemos colocar toque de recolher na favela mas que não podemos impedir um grupo de depredar o patrimônio do estado (que é bom sempre frisar que é patrimônio do povo) e impedir outros de irem ou vir.

    Recapitulando, acho errado usar a nossa polícia pois sabemos que com ela dá merda, e não porque a universidade é uma entidade especial.

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  2. Olha, eu sou contra o tal poder de polícia usado da forma como está sendo no caso. Acho sim que a universidade deveria ter sua autonomia pra resolver esse tipo de conflito. Ela tem uma guarda universitária que deveria "segurar a onda", caso as coisas saíssem do controle. Enfim... O sentido de eu publicar a entrevista da Olgária era mais pra deixa publico também por aqui o repúdio dos professores à ação policial.

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