...depois, esticou as pernas para evitar que os joelhos doessem – ontem ficaram doendo um pouco. Olhava para a tela branca do Word sem saber direito o que escrever e manteve a expressão facial por um tempo. Imaginou que a cara deveria estar um tanto risível, “cara de retardada”. Mas o que tinha? Estava mesmo ficando progressivamente mais burra, a cara seria apenas uma tradução da realidade. Ia completar o raciocínio mas notou que as unhas estavam por fazer; as da mão esquerda sempre cresciam menos que as da direita... Ou seria que se desgastavam mais rápido? “Vai saber...”
Ray Charles cantava: “dont let the sun get you crying...”. Não deixava mesmo, quase nunca chorava, não por nada, mas não andava com muitos motivos pra chorar... E nem pra rir tampouco. E nem pra escrever... Tinha motivos, isso sim, pra beber. Sim senhor, andava bebendo que era uma beleza! O problema era que precisava de cada vez mais bebida pra ficar bêbada, mas de cada vez menos bebida pra ficar de ressaca. Quaisquer três cervejinhas já deixavam-na bodeada no dia seguinte, pensando que queria ter nascido com um fígado de Wolverine. Foda! Vidinha mais ou menos.
Os pés estavam gelados dentro dos sapatos de salto que pisavam displicentemente no chão encardido do escritório. Seu trabalho naquele dia estava tranqüilo... Mas mesmo quando não estava, não exigia grandes coisas. O esforço máximo que tinha de fazer era ter paciência – muita paciência às vezes. Demorou, mas acabou aprendendo a ser uma boa subordinada. Estava mesmo ficando progressivamente mais burra, a subordinação seria apenas uma tradução da realidade. Estava, em contrapartida, ficando meio malcriada, lingüinha afiada, discutindo no trânsito... Lembrou-se de que lhe haviam dito que as pessoas ficam conformadas com o passar do tempo... “Sei... conformadas consigo e inconformadas com o outro, se for... Tsc!” A tarde chegava, a fome chegava... Não iria a restaurante nenhum. Cozinhava magnanimamente melhor que qualquer chapeirinho dos quilos da vida. Aliás, era o que gostava de fazer atualmente, vinha se tornando uma eximia cozinheira. Era impressionante o quanto berinjelas e tomates entendiam o que ela queria deles – muito mais do que as pessoas. Nossa, mas como é que se chegava a esse ponto: ter um pensamento desses? Nem ela mesma sabia. O que lhe parecia mais grave era isso: não ter clara na cabeça toda a trajetória de seu pensamento até aqui. Perdeu coisa no caminho, coisa importante e que hoje já não tem muito significado – a adolescência tudo é tão importante... Hoje em dia, importava só o trivial não sair dos eixo. Estava mesmo ficando progressivamente mais burra, o não-importar-se seria apenas uma tradução da realidade. Olhou pela janela: passou o trem... passaram vários carros... passou outro trem (esse em direção contrária)... pousou um urubu no fio... pousou o sol no rio... O cheiro de esgoto do rio empesteou a sala, mas tudo bem, era hora de ir. Dia de rodízio, iria de busão. “Saco!”: odiava a marginal.
Ray Charles cantava: “dont let the sun get you crying...”. Não deixava mesmo, quase nunca chorava, não por nada, mas não andava com muitos motivos pra chorar... E nem pra rir tampouco. E nem pra escrever... Tinha motivos, isso sim, pra beber. Sim senhor, andava bebendo que era uma beleza! O problema era que precisava de cada vez mais bebida pra ficar bêbada, mas de cada vez menos bebida pra ficar de ressaca. Quaisquer três cervejinhas já deixavam-na bodeada no dia seguinte, pensando que queria ter nascido com um fígado de Wolverine. Foda! Vidinha mais ou menos.
Os pés estavam gelados dentro dos sapatos de salto que pisavam displicentemente no chão encardido do escritório. Seu trabalho naquele dia estava tranqüilo... Mas mesmo quando não estava, não exigia grandes coisas. O esforço máximo que tinha de fazer era ter paciência – muita paciência às vezes. Demorou, mas acabou aprendendo a ser uma boa subordinada. Estava mesmo ficando progressivamente mais burra, a subordinação seria apenas uma tradução da realidade. Estava, em contrapartida, ficando meio malcriada, lingüinha afiada, discutindo no trânsito... Lembrou-se de que lhe haviam dito que as pessoas ficam conformadas com o passar do tempo... “Sei... conformadas consigo e inconformadas com o outro, se for... Tsc!” A tarde chegava, a fome chegava... Não iria a restaurante nenhum. Cozinhava magnanimamente melhor que qualquer chapeirinho dos quilos da vida. Aliás, era o que gostava de fazer atualmente, vinha se tornando uma eximia cozinheira. Era impressionante o quanto berinjelas e tomates entendiam o que ela queria deles – muito mais do que as pessoas. Nossa, mas como é que se chegava a esse ponto: ter um pensamento desses? Nem ela mesma sabia. O que lhe parecia mais grave era isso: não ter clara na cabeça toda a trajetória de seu pensamento até aqui. Perdeu coisa no caminho, coisa importante e que hoje já não tem muito significado – a adolescência tudo é tão importante... Hoje em dia, importava só o trivial não sair dos eixo. Estava mesmo ficando progressivamente mais burra, o não-importar-se seria apenas uma tradução da realidade. Olhou pela janela: passou o trem... passaram vários carros... passou outro trem (esse em direção contrária)... pousou um urubu no fio... pousou o sol no rio... O cheiro de esgoto do rio empesteou a sala, mas tudo bem, era hora de ir. Dia de rodízio, iria de busão. “Saco!”: odiava a marginal.
Adoro ler-te.
ResponderExcluirOs olhos se demoram, os ouvidos ouvem lentamente o som de cada frase escrita.
Faz tempo que pouco leio assim. Mas teus textos como esse, só sei ler assim, com vagar e saboreamento.
bjs
L.
Ah, que gostoso que passou por aqui!
ResponderExcluirE que bom que gosta!
Mil bjinhos!