segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Cinco minutos antes de morrer, estava lá, sob o sol, deitado na cama turca, bebendo marguerita, escutando Luiz Melodia. Nossa, a música que toca agora é um pouco brega! Mas e daí? Ele é bregão mesmo: o que é mais brega do que morrer deitadinho, de pernas cruzadas?Ah! que luxo!!! Enfim, deixa a coisa da breguice pra lá... Baby, te amo... Nem sei se te amo.

Havia dois dias, descobriu que morreria. Foi assim: chegou, cumprimentou e tomou conhecimento de que tinha as horas contadas. Estranho, muito estranho. Estava completamente bem, saúde de aço. Examinou os papéis, todos eles, de ponta a ponta, para não haver engano. Tudo certo. Deu uns telefonemas pra confirmar... Confirmadíssimo, sem dúvida nenhuma, ia morrer mesmo.

Dia seguinte, tentou pensar no que faria, mas achou perda de tempo. Foi à galeria de seu ex-namorado instintivamente. E foi depressa, mas lá, encontrou-o com seu sorrisinho habitual e mulher a tira-colo. Valha-lhe Deus nessa hora! Percorreu a galeria toda com os olhos, escolheu um quadro qualquer, de gosto duvidoso mesmo. “Esse aqui, rapaz, pode me dizer de quem é?” A mulher é apoiada no balcão. “Um pintor novo... Inexperiente. Duzentos reais... Quer? Mesmo?? Pra presente?” Um suspiro muito longo enquanto o pacote era feito. Sussurro: “eu esperava que pudéssemos dançar juntos...” A resposta veio em bom tom: “Até mais, senhor! Muito grato, senhor! Desejo sucesso ao senhor”.

Deu-se conta então de que ninguém sabia o que se lhe passava e não havia tempo para explicar nada. Diria o que? “Estou morrendo” Mas de que? “Longa história... Nem vale a pena”. E lhe responderiam “lamento” e coisa e tal. Chatinho e desgastante. Sem falar nos olharezinhos de compaixão e perplexidade voltados a si; não haveria outro assunto, que horror! É muito deselegante ser indiscreto assim.

Melhor era estar em casa. Um livro de filosofia que comprara havia duas semanas e ainda não lera. Mas concluiu que se lesse Kant antes de morrer, iria pro inferno. Luiz Melodia lhe parecera de melhor tom.

O sal das bordas do copo de marguerita agora saturavam as últimas gotas de tequila.

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