segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Do Ser e do Não-Ser na segunda-feira

Do Ser e do Não-Ser na segunda-feira

“Mas sabe por que somos sempre mais justos e generosos para com os mortos? A razão é simples! Para com eles, já não há obrigações... Todos os dias o aeroporto em frente me dá lições de partir” ... Saiu pensando nisso na segunda de manhã. Saiu pensando muito longamente nisso, em plena segunda-feira, logo de manhã. Se qualquer pessoa nesse mundo pudesse dissecar sua alma naquele momento, saberia que estava pensando nisso na bela e ensolarada segunda-feira de manhã e ia ser o espanto, não importa a orientação que tenha essa pessoa. Eu mesmo, narrador tão efêmero, criado para acabar em menos de duas páginas, me surpreendo que se tenha alongado nisso, numa segunda-feira de manhã. Porque essa coisa de morte não faz parte de nossa vida, ainda que tenhamos muitos mortos. Ainda que tenhamos um profundo mar de mortos em nossos corações, não tem morte ali. Não, não, não, a morte nunca faz parte de nossas vidas. Não sabemos o que é morte, não sentimos a morte. Sentimos pena de nós mesmos por já não termos uma pessoa ao nosso dispor. Sentimos orgulho de nós mesmos por sofrermos a perda de alguém que antes estava ao nosso dispor. Sentimos que a sociedade deve saber de nosso pesar pela perda de alguém que estava ao nosso dispor. E quando a morte é a nossa, sentimos dor, insegurança, medo do desconhecido. Ou sentimos uma imensa vontade de nos livrarmos de uma situação opressora. Mas não sentimos a essência da morte, nem o peso da morte, nem a leveza da morte, nem nada da morte. Porque pra quem é vivo, a morte não existe, ela não é nada em si, ela é a negação da vida, não tem definição positiva. E não há nada de errado com isso... Nem de certo também. É apenas fato: a vida é, a morte não é. É por isso que qualquer pessoa desse mundo, e mesmo eu, que estou pra me encerrar nas próximas linhas, me espanto com um pensamento desses logo na segunda-feira, logo de manhã, justo sob o sol de verão da América do Sul – um dia repleto de vir-a-ser.



(O que vai entre aspas é de Camus e Bandeira, respectivamente)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Vem com tudo!