sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Uma verborréia

Uma verborréia


Está ali parada bem em frente, faz mais de vinte e cinco minutos. Está esperando que ele tome uma providência depois de tudo o que lhe disse. Olhando bem, parece mais estar esperando alguma reação, ainda que não seja uma providência. O jeito como mexe as mãos delata uma ansiedade terrível. Ele sabe disso mas não tem reação. Ou tem, mas nenhuma que ela possa perceber. Não vai demonstrar NADA do que pensa a respeito do que ela falou. Não vai porque não quer. Adora dar a si mesmo essa explicação, o não-fazer por não-querer ou o fazer por querer. Até se habituou a dizer isso, fiz-porque-quis, quando lhe perguntam a razão de alguma resolução sua. Gosta muito mesmo!, dá pra sentir o gosto da liberdade que os seres auto-determinados sentem. Aliás, adora se auto-determinar. Veja como é: lá está ele – diante da amante que aguarda nervosíssima por uma reação sua à verborréia de quase meia hora atrás – sem falar palavra nem fazer cara-feia nem dar de ombros nem nada. E está assim porque quer, ou melhor, determinou-se a não dar a ela o que ela quer. Acha que sua vontade deve ser soberana já que é fruto de sua mente, um monstro voraz de desejo analítico mais lúcido que qualquer outra coisa e blábláblá. Agora mesmo está exultante com sua não-reação: que prazer que dá, meu deus do céu! e ela ali ainda esperando. Riria a plenos pulmões se pudesse. Bem que gostaria de rir agora. Como gostaria! Mas não pode, mas não pode. Se rir, vai ser uma reação, não vai? Vai parecer cínico! Então não pode rir. Não pode, não pode e não pode. E como fica a auto-determinação, seu lindo princípio de liberdade? Onde foi parar? Está onde deveria, no seu lugar de honra dentro da alma. Ou será que não está? Não ri porque não pode ou porque não quer? E a reação, não tem porque não quer ou não pode? Ora-ora-ora, mas que dúvida é essa que foi assaltar a mente do rapaz de vontade absoluta, não? Olha só: é fato que ele só tem tamanho apreço pela própria vontade por pensar que é uma vontade livre. Mas livre como se o quer e o pode andam se confundindo por aí? Não está parecendo tão livre assim, afinal. E muito pior!, pensando bem, não lhe parece que tenha escolhido o que quer que seja na vida, mas que teve de aceitar ou recusar situações porque era o que podia fazer no momento. Foi condicionado a faze o que tinha de fazer. Seguindo por aí, se não reage diante do que ela lhe falou é porque está sem reação, porque não pode reagir. Não pode porque não quer, é certo, mas o que o levou a não querer? Não é criança para negar a Lei da Causalidade só para defender a inviolabilidade de sua vontade suprema. Existem milhões de coisas que devem tê-lo determinado a querer isso e não aquilo evidentemente. Não está mais exultante com a idéia de si mesmo, está é perplexo. Não sabe o que dizer, não sabe se deveria continuar a dizer nada, não sabe de nada. Está confuso e acha pode estar assim por causa da verborréia que ouviu agora a pouco. De sua bela fortaleza agora não resta nada, não resta nada. A sinceridade, ela é sempre o que fica aos que perdem tudo. A sinceridade. E é por causa dela, que é tudo o que resta, que vem a reação aguardada: “ Desculpa... tou sem ter o que dizer... Tou sem saber o que pensar... Preciso voltar ao normal”

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