Aventuras e idéias de Tato Constantino – crônica III
É domingo, o Tato acordou cedo e está muito mau-humorado pensando no que tem de fazer: precisa deixar a Meca em casa e ir ver mamãe que quer sempre que ele chegue cedo pra ficar falando até a tarde de um passado que o Tato nunca viu e com o qual não se encontra. Uma história triste e comprida e cívica e bela que aconteceu os anos 70 e aí, acabou-se.
Bem-bem-bem, hoje completa anos esse “aí, acabou-se” e é por isso que o Tato teve de lavar a cara n’água gelada em plena manhãzinha de domingo, nem a Meca acordou ainda e já vai o Tato pra casa da mãe, PORRA! que já vai implicar com tudo como sempre faz nesses encontros familiares de caráter tão elevado. Caráter elevado, ai-ai-ai, é uma das coisas que mais aborrecem o Tato porque ele não acredita em elevação no mundo dos homens e xinga de romântico a quem acredita – para o Tato romantismo é um xingamento quase tão pesado quanto para Manuel Antônio de Almeida.
Mas agora que não tem outro jeito o nosso amigo tenta evocar sua alma infantil já há muito abandonada e se lembra dos seus tempos de pirralho que foram um verdadeiro saco! Era um turbilhão infernal de perguntas sobre o pai que povoavam os sonhos e os anseios e as brincadeiras e os pensamentos e os papinhos de escola e também os pesadelos. Ninguém falava onde havia ido parar o pai sendo que não havia mais nada nadinha nessa vida de merda que o interessasse mais. Se ele perguntava todo mundo falava que o pai foi um homem muito justo e muito corajoso e blábláblá mas ninguém podia responder qual fim levara o velho. Só depois dos dezoito é que a mãe acabou lhe contando tudo quanto aconteceu: que eram comunistas e que queriam ir pra guerrilha mas que quando do nascimento do Tato Constantino acabaram desistindo; que na frustração o homem resolveu subverter seus alunos – o que não era incomum naquele tempo; que um dia mandou mulher e filho saírem mundo a fora e não os viu nunca mais; que o pai se matou no DOI-COD defendendo o partido e a revolução até o fim.
Desde o dia em que contou ao Tato essa história (que aqui está resumidíssima) a mãe faz questão de comemorar a bravura e a decência do homem. Daí o encontro anual que o Tato chama de “aí, acabou-se”.
O Tato detesta essa data com todas as forças de seu coração colesteroso afinal de contas não tem nada que se comemorar e a bem da verdade nem nada que valha a pena lembrar. É só por causa do pseudo-heroísmo do pai que todo mundo o valoriza. Pseudo-heroísmo sim senhor porque o velho na verdade não fez nada que já não estivesse pronto a fazer ou que não quisesse fazer lá no íntimo da alma. Para o Tato seria heroísmo se em vez de bancar o revolucionário-mártir-que-entrou-pra-História ele abandonasse seu amado delírio político pela família que acabou se criando sem ele. O Tato não consegue entender como pode alguém trocar o concreto-real pelo abstrato-sonho. Revolução e comunismo e igualdade social e blábláblá nada disso existe, o que existe são contas e pessoas que o filho-duma-puta largou pra trás.
Por causa disso é que o Tato teve de acordar muito cedo quando ainda bem jovem e cresceu escutando sobre política numa fase da vida em que não queria saber dessa conversa mas não mesmo. Por causa disso ele tem de acordar cedo todos os anos e ajudar a mãe a preparar o almoço in memorian de um morto que ele só conhece por estatística e fama.
Tato Constantino odeia acordar cedo odeia política odeia estatística odeia fama odeia “aí, acabou-se”. Saiu de casa tão bravo que nem digeriu o café.
domingo, 11 de fevereiro de 2007
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