A Olívia não gostava muito de falar, sempre preferiu escrever. Bom, na verdade, não se incomodava em falar, mas era mais dada a escutar mesmo. Quando ficava triste, mas triste de não ter jeito, preferia ir pra Pasárgada que se abrir com um amigo e era o que fazia em geral. Foi por isso que se sentiu bem nua e descascada quando o Sea perguntou dos pais dela. Ah, ele sabia que o pai ia mal de saúde, preso no hospital e que mãe ela não tinha. .
"Sei sim, pequena, mas nem sempre deve ter sido assim, que você não é filha de chocadeira. O que tinha antes?" Nua, bem nua, como nunca se sentiu com ele antes. Nua na chuva. "Venus naked on my chains, that's how I want you, hahaha!". Sorria esperava a narrativa dela, não desviava os olhos, os olhos ostensivos. E ela, ah, ela tinha de obedecer. Estava bem então, deixava... Certo, vamos-lá, era uma vez uma mulher muito bonita e muito mimada. Ela viveu num castelo encantado em Pinheiros durante toda a vida, esperando um príncipe que a levasse para conhecer o mundo. Dai veio um príncipe que não dispunha de muitos fundos pra manter essa princesa, mas ela ficou num fogo danado quando viu o hippie louco e foi logo fugindo de casa. Como ele era bem duro e ela nem sempre ficava alegre com isso, o jeito era encher a cara de droga e eles tomavam ácido feito condenados. Nem precisava dizer que os pais da princesa ficaram putíssimos com essa história toda. Dai veio a Olívia... Dai a aventura da princesa teve que durar mais que o necessário e, quando a vida virou rotina de dona-de-casa-de-classe-media-baixa, vixi, dai perdeu a graça. Ela pouco queria saber da filhinha e estava pra lá de lá com príncipe e com as drogas, queria retomar a vida de onde a tinha deixado. Fugiu de casa outra vez, pediu ajuda aos pais, queria ir pra França e deixar a criança em algum colégio interno muito bom... Mas nesse meio tempo, a Olívia já era Livi e usou a pouca autonomia que tinha pra dizer que não largaria o pai sozinho - ele se tornou muito depressivo depois da separação. A mãe insistiu, mas como não teve jeito, ficou num veneno tamanho que nunca mais deu notícias que não fossem por escrito e a Olívia se acostumou a ler a mãe - até gostava no final. Quanto ao pai, era tudo de bom, só não era pai, fez o melhor que pôde e deu todo amor que tinha pra dar. Mas por causa dessa coisa de ele não ter jeito com criança, a Olívia não teve muitas referências de mundo infantil, já lia Machado de Assis e Kafka aos onze anos e cresceu ouvindo MPB e rock'n'roll de todos os tipos – o único disco infantil que teve foi Os Saltimbancos. Ela sempre gostou muito do pai e, embora ao lado dele se sentisse bastante sozinha, era a única família que tinha, e então, estava bem. Também não teve muitos amiguinhos porque mudava de escola com freqüência. Isso era meio chato, mas fazia restar muito tempo pra ler - o pai sempre dizia que nenhuma companhia superava um bom livro. .
"E você fez Letras por causa do seu pai?" Em parte sim. Na verdade tinha gosto por leitura por causa do pai e estudou Literatura por gostar de ler... Mas achava que não tinha a ver com o fato do pai ser professor, isso não.
"Mas e paixão? Você nunca teve muita vontade de ser qualquer coisa diferente, sei lá... Cabeleireira, médica, rockstar, ginasta, essas coisas que a gente curte quando e criança?" Ah, sabia lá... Sempre preferia deixar que as coisas acontecessem e ver onde se encaixava melhor. Porque quando queria ser coisas diferentes, essas coisas estavam no plano do impalpável, sabe? Já quis ser sereia, ninfa, anjo... Já quis ser homem também... .
"Mas isso é natureza, a gente não escolhe..." A gente nunca escolhia nada... Nunca. "Oh, I don’t think so! Eu acho que escolho quase tudo que tem a ver comigo". Pois que achasse, isso era o que dava vida pra vida da maior parte das pessoas. Mas e a vida dele? "Como foi minha vida antes de você aparecer? Sei lá. Não me lembro bem de muita coisa, as drogas acabaram com a minha memória. Mas eu já tive que morar em uns três países diferentes e minha mãe foi puta e eu não tenho pai e estudei bastante mas nunca me formei em nada e já transei com mais gente do que o céu tem estrela e tenho mais anos nas costas do que parece e... sim, eu já sei português o suficiente pra nunca mais ter de falar inglês, mas não paro pra não perder meu charminho de gringo – brega né?... Deixa ver... O que mais é importante? Ah, sim, eu gosto de gatos... and this is all I have to say about it". Livi riu, gostava do filme a que ele fez referencia mas achou a biografia muito sintética... Queria saber outras coisas. Tinha um diário? "Sim, mas não vou te dar. E não vou te contar mais nada também. Vai ter que me aprender na prática, se quiser" e ela queria sim, queria ver a vida dele acontecendo, gostava de tudo sobre ele, até de quando ele a deixava sem ação ou muito embaraçada. Mas não disse nada disso, estava certa de que ele sabia. "Sabe, Liv, you're good, you're really good... and I don't know why". Não sabia por que? Não tinha nada que saber, ela era assim, todas as garotas-olivia eram assim. "Nada, tem mais coisa aí, vai ver como tem".
"Sei sim, pequena, mas nem sempre deve ter sido assim, que você não é filha de chocadeira. O que tinha antes?" Nua, bem nua, como nunca se sentiu com ele antes. Nua na chuva. "Venus naked on my chains, that's how I want you, hahaha!". Sorria esperava a narrativa dela, não desviava os olhos, os olhos ostensivos. E ela, ah, ela tinha de obedecer. Estava bem então, deixava... Certo, vamos-lá, era uma vez uma mulher muito bonita e muito mimada. Ela viveu num castelo encantado em Pinheiros durante toda a vida, esperando um príncipe que a levasse para conhecer o mundo. Dai veio um príncipe que não dispunha de muitos fundos pra manter essa princesa, mas ela ficou num fogo danado quando viu o hippie louco e foi logo fugindo de casa. Como ele era bem duro e ela nem sempre ficava alegre com isso, o jeito era encher a cara de droga e eles tomavam ácido feito condenados. Nem precisava dizer que os pais da princesa ficaram putíssimos com essa história toda. Dai veio a Olívia... Dai a aventura da princesa teve que durar mais que o necessário e, quando a vida virou rotina de dona-de-casa-de-classe-media-baixa, vixi, dai perdeu a graça. Ela pouco queria saber da filhinha e estava pra lá de lá com príncipe e com as drogas, queria retomar a vida de onde a tinha deixado. Fugiu de casa outra vez, pediu ajuda aos pais, queria ir pra França e deixar a criança em algum colégio interno muito bom... Mas nesse meio tempo, a Olívia já era Livi e usou a pouca autonomia que tinha pra dizer que não largaria o pai sozinho - ele se tornou muito depressivo depois da separação. A mãe insistiu, mas como não teve jeito, ficou num veneno tamanho que nunca mais deu notícias que não fossem por escrito e a Olívia se acostumou a ler a mãe - até gostava no final. Quanto ao pai, era tudo de bom, só não era pai, fez o melhor que pôde e deu todo amor que tinha pra dar. Mas por causa dessa coisa de ele não ter jeito com criança, a Olívia não teve muitas referências de mundo infantil, já lia Machado de Assis e Kafka aos onze anos e cresceu ouvindo MPB e rock'n'roll de todos os tipos – o único disco infantil que teve foi Os Saltimbancos. Ela sempre gostou muito do pai e, embora ao lado dele se sentisse bastante sozinha, era a única família que tinha, e então, estava bem. Também não teve muitos amiguinhos porque mudava de escola com freqüência. Isso era meio chato, mas fazia restar muito tempo pra ler - o pai sempre dizia que nenhuma companhia superava um bom livro. .
"E você fez Letras por causa do seu pai?" Em parte sim. Na verdade tinha gosto por leitura por causa do pai e estudou Literatura por gostar de ler... Mas achava que não tinha a ver com o fato do pai ser professor, isso não.
"Mas e paixão? Você nunca teve muita vontade de ser qualquer coisa diferente, sei lá... Cabeleireira, médica, rockstar, ginasta, essas coisas que a gente curte quando e criança?" Ah, sabia lá... Sempre preferia deixar que as coisas acontecessem e ver onde se encaixava melhor. Porque quando queria ser coisas diferentes, essas coisas estavam no plano do impalpável, sabe? Já quis ser sereia, ninfa, anjo... Já quis ser homem também... .
"Mas isso é natureza, a gente não escolhe..." A gente nunca escolhia nada... Nunca. "Oh, I don’t think so! Eu acho que escolho quase tudo que tem a ver comigo". Pois que achasse, isso era o que dava vida pra vida da maior parte das pessoas. Mas e a vida dele? "Como foi minha vida antes de você aparecer? Sei lá. Não me lembro bem de muita coisa, as drogas acabaram com a minha memória. Mas eu já tive que morar em uns três países diferentes e minha mãe foi puta e eu não tenho pai e estudei bastante mas nunca me formei em nada e já transei com mais gente do que o céu tem estrela e tenho mais anos nas costas do que parece e... sim, eu já sei português o suficiente pra nunca mais ter de falar inglês, mas não paro pra não perder meu charminho de gringo – brega né?... Deixa ver... O que mais é importante? Ah, sim, eu gosto de gatos... and this is all I have to say about it". Livi riu, gostava do filme a que ele fez referencia mas achou a biografia muito sintética... Queria saber outras coisas. Tinha um diário? "Sim, mas não vou te dar. E não vou te contar mais nada também. Vai ter que me aprender na prática, se quiser" e ela queria sim, queria ver a vida dele acontecendo, gostava de tudo sobre ele, até de quando ele a deixava sem ação ou muito embaraçada. Mas não disse nada disso, estava certa de que ele sabia. "Sabe, Liv, you're good, you're really good... and I don't know why". Não sabia por que? Não tinha nada que saber, ela era assim, todas as garotas-olivia eram assim. "Nada, tem mais coisa aí, vai ver como tem".
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