Acabavam agora de sair do banho. Jac ia escovar os dentes mas parou pra olhar o reflexo da Livi no espelho, ele tinha esse hábito de olhar as pessoas muito longamente, o que a deixava bastante incomodada, porque em geral o objeto de estudo daqueles olhos era ela mesma e ser analisada não era coisa de que gostasse: era a análise do livro de sua vida, que ainda não estava concluído. Mas o Jac gostava de ver tudo, nem beijo não dava de olhos fechados, a coisa menos romântica de todos os tempos.
Agora os dois estão secos, com os dentes escovados e o Jac a conduz até a cama segurando pela nuca, como se guiasse um carro, e embora deixe, a Livi também odeia isso. Na verdade, havia muito mais coisas no Jac de que ela não gostava - ele tinha ares aburguesados, afrancesados, quase um Primo Basílio.
Mas o jeito com que ele dirigia era o pior: pra começar, tinha um carro enorme, um off road, meu-deus-do-ceu, pra andar em São Paulo! Nem tinha cabimento uma coisa daquelas, o carro ocupava a vaga de dois quando parado e se tornava uma máquina de matar motoboys em massa quando andava - dava pro Jac um saborzinho de poder tão estúpido apavorar motoboys que ziguezagueavam pelo trânsito! E corria com aquela banheira o desgraçado, como corria! A marginal era um grande autódromo pra tirar racha. Como podia?! Isso sem falar na lição de moral que ele tinha que dar pra todos os flanelinhas da cidade. Por que saia de carro se não queria passar por isso? Não dava pra entender...
"Livi...? Ce tá me ouvindo?" Opa! Tava distraída, viajando... Repetisse.
"Então... Comprei um óleo de chocolate pra passar na tua pele... Acho que ce vai gostar...".
Ah, tínhamos ai outra coisa irritante: ter sempre o palpite de que ela ia gostar das besteiras que ele comprava. Nem dava pra gostar porque ele comprava de tudo! Era tanta coisa que ela nem tinha tempo pra ver se agradava mesmo ou não. Um absurdo de consumismo! Mas o pior era que ele fazia disso um estilo de vida e além de comprar coisas, também comprava gente, a Livi era só uma das pessoas que ele já tinha comprado. A questão era que ele achava que dinheiro significa poder pra calar a boca de qualquer um e assim, ele nunca pegava fila em nenhuma repartição pública, ele nunca ficava sem entrada pra show por superlotação ou sem reserva em restaurante, ele nunca deixava de entrar em nenhum espetáculo, mesmo estando atrasado, ele sempre conseguia embarcar no vôo que queria e na poltrona que preferia, mesmo com overbooking... Perguntasse por que, a resposta era sempre a mesma: tinha estudado e trabalhado desde cedo era pra isso – o que na tradução da Livi, virava: sou mauricinho-de-classe-media, conheço a lei e tenho grana. Em poucas palavras, um legítimo filho-da-puta!
"Livi! tá viajando outra vez, gata... Minha leoa... Vem cá, tem presentinho. Olha isso aqui". Mas ela contraiu uma certa animosidade pensando nisso e não queria ser muito educada. Ele olhava todo o corpo dela e depois os olhos por bastante tempo. Mas ela respondia com displicência que parasse porque não queria saber de porra de óleo nenhum. Agora a Olívia podia ver a cara do Jac se contraindo de raiva e sentia um prazer muito íntimo. Sabia que ele não faria por menos - com o orgulho de João não se brinca, diria o sogrinho! Mas ela brincava sim e folgava, já que não tinha como a vida ficar muito pior, pelo menos se divertia irritando o bonitinho... que de fato se irritou. Metralhava o ar com a respiração e cerrava os punhos e forçava os dentes uns contra os outros; silenciou uns instantes... Estalou o pescoço pra relaxar, massageou os próprios ombros, forçou um sorrisinho sarcástico e pegou com forca o braço da Livi: "Escuta, você vai tratar de ficar boazinha comigo"... Ah, francamente, não tinha nenhuma Livi afim disso... "Não é problema meu. Eu tentei ser legal. Agora fica boazinha. E relaxa, senão é pior pra você".
Eram essas as duas outras coisas extremamente escrotas no Jac: fica-boazinha e relaxa-se-não-é-pior. Mas ia deixando, fazer o que? Tinha de deixar... e deixar tudo pra lá depois.
Agora os dois estão secos, com os dentes escovados e o Jac a conduz até a cama segurando pela nuca, como se guiasse um carro, e embora deixe, a Livi também odeia isso. Na verdade, havia muito mais coisas no Jac de que ela não gostava - ele tinha ares aburguesados, afrancesados, quase um Primo Basílio.
Mas o jeito com que ele dirigia era o pior: pra começar, tinha um carro enorme, um off road, meu-deus-do-ceu, pra andar em São Paulo! Nem tinha cabimento uma coisa daquelas, o carro ocupava a vaga de dois quando parado e se tornava uma máquina de matar motoboys em massa quando andava - dava pro Jac um saborzinho de poder tão estúpido apavorar motoboys que ziguezagueavam pelo trânsito! E corria com aquela banheira o desgraçado, como corria! A marginal era um grande autódromo pra tirar racha. Como podia?! Isso sem falar na lição de moral que ele tinha que dar pra todos os flanelinhas da cidade. Por que saia de carro se não queria passar por isso? Não dava pra entender...
"Livi...? Ce tá me ouvindo?" Opa! Tava distraída, viajando... Repetisse.
"Então... Comprei um óleo de chocolate pra passar na tua pele... Acho que ce vai gostar...".
Ah, tínhamos ai outra coisa irritante: ter sempre o palpite de que ela ia gostar das besteiras que ele comprava. Nem dava pra gostar porque ele comprava de tudo! Era tanta coisa que ela nem tinha tempo pra ver se agradava mesmo ou não. Um absurdo de consumismo! Mas o pior era que ele fazia disso um estilo de vida e além de comprar coisas, também comprava gente, a Livi era só uma das pessoas que ele já tinha comprado. A questão era que ele achava que dinheiro significa poder pra calar a boca de qualquer um e assim, ele nunca pegava fila em nenhuma repartição pública, ele nunca ficava sem entrada pra show por superlotação ou sem reserva em restaurante, ele nunca deixava de entrar em nenhum espetáculo, mesmo estando atrasado, ele sempre conseguia embarcar no vôo que queria e na poltrona que preferia, mesmo com overbooking... Perguntasse por que, a resposta era sempre a mesma: tinha estudado e trabalhado desde cedo era pra isso – o que na tradução da Livi, virava: sou mauricinho-de-classe-media, conheço a lei e tenho grana. Em poucas palavras, um legítimo filho-da-puta!
"Livi! tá viajando outra vez, gata... Minha leoa... Vem cá, tem presentinho. Olha isso aqui". Mas ela contraiu uma certa animosidade pensando nisso e não queria ser muito educada. Ele olhava todo o corpo dela e depois os olhos por bastante tempo. Mas ela respondia com displicência que parasse porque não queria saber de porra de óleo nenhum. Agora a Olívia podia ver a cara do Jac se contraindo de raiva e sentia um prazer muito íntimo. Sabia que ele não faria por menos - com o orgulho de João não se brinca, diria o sogrinho! Mas ela brincava sim e folgava, já que não tinha como a vida ficar muito pior, pelo menos se divertia irritando o bonitinho... que de fato se irritou. Metralhava o ar com a respiração e cerrava os punhos e forçava os dentes uns contra os outros; silenciou uns instantes... Estalou o pescoço pra relaxar, massageou os próprios ombros, forçou um sorrisinho sarcástico e pegou com forca o braço da Livi: "Escuta, você vai tratar de ficar boazinha comigo"... Ah, francamente, não tinha nenhuma Livi afim disso... "Não é problema meu. Eu tentei ser legal. Agora fica boazinha. E relaxa, senão é pior pra você".
Eram essas as duas outras coisas extremamente escrotas no Jac: fica-boazinha e relaxa-se-não-é-pior. Mas ia deixando, fazer o que? Tinha de deixar... e deixar tudo pra lá depois.
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