Eu não ligo pra dinheiro...

Há frases que eu odeio nessa vida e essa é efetivamente uma. Odeio porque ela nunca significa uma coisa boa no perfil de quem a diz. Nunca! Se um cara não percebe isso, é só ceder atenção aos desdobramentos dessa frase.


1. Quem o diz é, mais das vezes, bastante hipócrita. Acontece de dizer pra se mostrar superior a alguém que lhe cobra uma dívida, ou que pede dinheiro por razões judiciais, como o divórcio, a concordata, a indenização por danos morais, coisinhas assim. O cara é cobrado e diz uma coisa dessas pra tentar afirmar que está por cima da carne seca. Se você for ver bem, o porcimadacarnessequismo num caso desse é posição garantida por toda uma tradição cristã que valoriza o metafísico em detrimento do material. Uma coisa quase romântica que fica calado meio que fundo na alma do sujeito e que ele vai proferindo sem nem pensar muito, reflexo automático, um eu-sou-melhor-que-você quase natural, quase subconsciente... A mágica ridícula da falta de reflexão: ela te faz ficar por cima muuuuuito ilusoriamente.


2. Um segundo tipo de gente que diz essa frase, gente essa muito menos numerosa que a anterior, é a realmente abnegada, que cede grana a rodo pra todo mundo que precisa. Óquei, a intenção de quem diz isso pode até ser muito nobre, mas a frase é putamente mentirosa assim mesmo. Suponha que o cara gosta pra caramba de alguém ou de mais de uma pessoa, e essa(s) pessoa(s) se aproveitam do mão-aberta-pra-caralho. Esse sempre sabe que tá sendo abusado, mas sabe também, às vezes só lá no fundo, o poder que tem a grana. Sabe que esse poder pode segurar os cretinos de quem gosta perto.


3. Pode acontecer de o cara não ligar pra dinheiro e simplesmente não ligar mesmo. Sabe, um “coração bom”... Eu acho isso uma coisa pré-capitalista demais pra ainda existir. Mas, caso exista, é o pior dos casos, a pior das alienações, a pior das neuroses. Porque ele está descolando imagens que nunca devem ser separadas: dinheiro e tempo, ou seja, trabalho. A vida acontece no tempo. Tem é tudo o que você realmente tem e sua única escolha é o que fazer com seu tempo. Grana é uma coisa que se arranja vendendo o próprio tempo pra alguém (ou algo). Você trabalha, ou seja, faz uma coisa que certamente não faria se não fosse receber por isso. E faz por muito tempo da sua vida! Vender a força de trabalho é não é apenas um discurso político, mas uma coisa que amarga muita gente que vai se aposentando; levanta a pergunta: “Mas o que é que eu fui fazer com a minha vida?”. Então, se o cara não liga pra dinheiro, ele tá pouco se fodendo pra única coisa que ele tem realmente: o tempo de vida. E isso não me parece nem um pouco saudável, já que estou falando de alguém que nega a realidade mais fixa, o maior princípio do mundo ocidental moderno, o capitalismo.


Eu admito e acho bacana que as pessoas não se casem por grana ou amem os trabalhos voluntários, mas sou não passível de acreditar que alguém em sã consciência (em todas as acepções que esse termo tem) não se importe realmente com dinheiro.


A propósito – e mito a propósito – li numa nota cenográfica de cem contos: O tempo é a mais-valia de Deus. Essa sim, não é uma frase fantástica??? Hehehe!