segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Foi primeiro uma bolha que saiu do buraco no chão.


O buraco foi cavado por uma obra, obra particular com crescimento exponencial na parte mais alta da maior cidade do país. Por ela foi aberto o buraco, que era fundo... Bastante fundo... Pracaralhamente fundo! Tanto que ficou sendo ele a Garganta de Sampa. E a Garganta gorfava, gorfava ininterruptamente. O gorfo era a água mais limpa, diretinho do lençol freático – o estômago de Sampa, por analogia.

No começo, foi bom. Os peões da obra (que o engenheiro gostava de chamar de colaboradores) aproveitavam o gorfo cristalino pra limpar os instrumentos de trabalho, partes de seus corpos, essas coisas. Achavam uma curtição ficar à beira da Garganta em dias de calor intenso.

Mas alguém deve ter se incomodado com a água (a água?) e veio um homem da prefeitura mandando multa na obra. O engenheiro, que tinha um problema pessoal com multas, mandou canalizar a água e jogá-la onde é lugar de gorfo: o esgoto. E a obra continuou multiplicando seus andares.

Acontece que a Garganta ficou ofendidíssima em ver seu fruto, aquela água mais purinha que a da sabesp, sendo conspurcado daquela maneira. Imagina só, deitá-lo na mesma tubulação por onde corre toda merda, toda sujeira, tudo quanto os homens não querem mais... Desfeiteada com tamanho desaforo, a Garganta dobrou o volume do gorfo e rebentou a pequena canalização: eis que um esguichinho varava a terra. O engenheiro revidou com um bom saco de cimento. Bobagem dele: as águas se calaram por dois dias e então o esguicho de outrora se fez um feixe d’água de nada menos que quarenta centímetros de diâmetro de dois metros de altura.

A comicidade do espetáculo já se escancarava. Os peões da obra – a essa altura, já em processo de embargo – só riam do engenheiro, que teve de pagar mais uma multa, essa tendo o triplo do valor da anterior. E nessa noite, enquanto o ótimo paulistano engenhava meios de culpabilizar seus colaboradores pelos maus humores da Garganta, ela se rebelou ainda mais numa verdadeira explosão de água.

A enxurrada tornou-se um rio que se ramificava por tudo quanto lhe parecia leito (as ruas, no caso) e transformou a Avenida Rebouças numa verdadeira corredeira, cuja foz foi o Rio Pinheiros. Foi uma água tão limpa que fez redimir cada gota de chuva ácida que já caiu sobre a cidade.

Acho que nem carece dizer que São Paulo simplesmente parou. E nesse dia, um político muito politicamente político sugeriu que, em vez de estado de calamidade pública, se decretasse feriado municipal. E assim foi.

3 comentários:

  1. É um dos seus contos? Teve outros neste estilo? Ah, isso me lembra, preciso voltar a ler as suas outras cronicas, parei no 3º ato.

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  2. Eu ia fazer a mesma pergunta do Bob: tens outras cronicas neste estilo? Curti mutcho. Beijos.

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  3. Seja muito bem vinda de volta!
    Adoro ler tuas coisas, e essa foi digna de um ato de retorno.
    Manda mais, manda mais...
    (o cara que le de graca, e ainda faz exigencia...)
    Bjos,
    L.

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