terça-feira, 20 de janeiro de 2009

... eu era jovenzinho...



pelo Paulão do grupal


... tem um pé de jaca (e até a semana retrasada um monte delas penduradas) ali no Crusp, perto do Cinusp... Pra quem quiser pegar.


Há muitos anos, o jovenzinho Paulo acompanhava a mãe dele à feira. Não tinha mais que seis anos completos. O dinheiro, naquela época, era contadinho pra se comprar só o que era preciso. Aquele mundaréu de donas de casa fazendo suas compras apressadas no final da feira - minha mãe, ainda hoje, só faz feira quando os feirantes já estão se preparando pra desmontar as barracas -, o sol quente a "cozinhar" uma fruta grande, amarelada...


- Mãe, o que é aquilo?

- Aquilo o quê?

- Aquele negócio ali?

- Aquele grande, amarelo?
- É.

- Aquilo é jaca.

- Jaca?

- É.

- Compra?

- Não, aquilo é ruim.

- Não é, mãe... É cheiroso... – Eu estava a uns bons metros da barraca, minha altura era a altura da cintura das mulheres que andavam apressadas embaixo daquele sol do meio-dia, o cheiro daquela fruta vencia todos esses percalços e eu achava aquilo bom... Eu era jovenzinho.

- Cheira muito forte... Aquilo é ruim.

- Não é, não, mãe.

- Como é que você sabe? Você nunca comeu.

- Mas eu sei.

- Eu é que sei. Aquilo é ruim.

- Não é não, mãe.

- Tá, tá bom. Então não é. Mas eu não vou comprar.

- Ah, mãe, compra, vai?

- Não.

- Compra, mãe.

- Não vou comprar.

- Ah, mãe, compra.

- Não.

- Ah, mãe...


Esse diálogo continuou por mais algum tempo. Minha mãe parava numa barraca, verificava o produto, observava o preço e seguia adiante. Lá pelas tantas, a dona Lydia (minha mãe) perdeu a esportiva. Abaixou, de cócoras, para ficar na minha mesma altura, me pegou pelos braços, olhando nos meus olhos, e disse:

- Você quer mesmo comer jaca?

Eu era jovenzinho... Ainda não sabia reconhecer a última chance que só uma mãe dá para o fulano recuar em suas intenções...

- Quero.

- Ah, então você vai comer jaca. Na volta eu compro uma pra você. Mas você vai comer ela todinha!


A barraca da jaca estava no começo da feira. Minha mãe sempre adotou a estratégia de percorrer a feira toda, verificando as melhores ofertas, e, no caminho de volta, comprar aquilo que achasse conveniente. Uma das muitas coisas boas que aprendi com minha mãe: se é pra carregar peso, carregue-o pelo menor tempo possível. No caminho inteirinho, na ida, com a sacola vazia, e na volta, enchendo a sacola, ela segurava a minha mão com aquele ódio que só uma mãe sabe ter pela sua cria... Eu era jovenzinho, mas eu sabia: algo de muito ruim estava por vir.


Quando chegamos na barraca da jaca, meu braço doendo dos puxões qye eu levava cada vez que perdia o passo, minha mãe pediu uma pro feirante...


- Uma pequena moço... Isso, essa aí está boa. Tá madura e é pequena.
Nem pechinchou. Pagou e colocou na sacola. Descemos até a minha casa a passos largos. Eu assustado. Quando chegamos em casa, ela me sentou na mesa na cozinha e mandou eu ficar ali, enquanto ela pegava uma faca. Colocou a jaca na minha frente e cortou no meio, num movimento só, rápido. Antes mesmo do aroma chegar às minhas narinas, ela falou:

- Agora come.


E antes que eu pudesse me interessar pela fruta, o aroma chegou às minhas narinas. Um aroma forte, adocicado, enjoativo, repugnante... Eu era jovenzinho, ainda...


- Não quero.

- Ah, você vai comer. (havia uma certeza assustadora nas palavras e nos olhos dela)
- Não quero, mãe...

- Come. Você me fez comprar esse negócio dizendo que ia comer. Você vai comer.

- Mas mãe...

- Come, menino!


Eu era jovenzinho, mas eu sabia que o melhor a fazer era comer. Comi um tanto e quis parar. Minha mãe ficou ao meu lado, pra ter a certeza de que eu estava comendo.


- Come. Você vai comer tudo.


Comecei a chorar (pensando bem, até que demorei). Minha mãe continuava implacável.


- Come. Você queria comer jaca, agora come.


Eu continuei comendo, até que abri o berreiro de vez. Daí ela começou a se acalmar e deixou eu sair da cozinha. Fui brincar no quintal, ainda assustado. Um tempo depois minha barriga começou a doer. Ela me colocou deitado na sala. Não lembro direito, mas acho que tive uma febre naquele dia. Mas lembro que meu pai e minha mãe discutiram à noite, porque ela exagerou, argumentava ele, ao que ela retrucava que queria ver o que ele teria feito se estivesse no lugar dela. Minha barriga ainda doía. Eu era jovenzinho mas sabia muito bem que se ela tinha me feito comer pelo menos metade da jaca, com ele eu ia ter comido a jaca inteira e o castigo não ia ter parado por ali.


Nunca mais comi jaca, até uns anos atrás, no Pouso da Cajaíba (uma vilinha de pescadores em Paraty a que só se chega de barco), por causa de uma aposta que eu perdi com meus amigos... Comi, mas quase "descomi"...

9 comentários:

  1. hahahahahahaha... eu ia colocar no blog da Safra com esse título mesmo... hahahahahaha... acho que foi transmimento de pensação... hehehehehe

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  2. Foi total... Mas então, eu já coloquei no blogue da Safra tb, hahahahah! Já tá lá! Nóis num perde tempo, né?

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  3. Quando eu li esse texto, pensei: "meu Deus, como ela sabe dessa história?" ahhahahahahaha! ODEIO jaca. Argh. Beijo beijo!

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  4. Su: eu acho jaca a coisa mais nojenta que tem... Cheiro, cor, gosto, tato, até o nome é feio. Em resumo, desagrada os cinco sentidos!!!

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  5. ahahaha
    adorei o texto, Lia. Me absorveu por completo. Quando crescer quero escrever assim.
    Sabe que eu nunca tinha comido jaca até há uns anos atrás?
    Aí, de tanto ouvir ditado popular ("esse aí meteu o pé na jaca!") e piada ("aí o cara tinha subido por engano num pé de jaca, e não de jabuticaba, e quase morreu tentando comer as vinte da aposta!"), acabei ficando curioso.
    Fui na feira e comprei um pedação. Achei bem bom! A Su foi quem me implorou pra eu nunca mais comprar , disse que até a margarina na geladeira tinha ficado com cheiro de jaca. Isso era verdade.
    ;)
    Bjo,
    L.

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  6. Ah, grata pelo elogio, mas o texto não é meu não - repasso o elogio ao Paulão! O cara manda bem, mas não tem blogue, e eu às vezes publico os textos dos que não estão na blogosfera porque texto bom tem que ser lido, hehehe!
    Ah, e como eu já disse, ODEIO jaca, pra mim, jaca é obra de deus quando entra em férias... Além de desagradar os 5 sentidos, é enorme e dá em árvore... Aberra mais que ornitorrinco!

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  7. Jaca = eca, eca, eca! Só não é pior que banana...
    :)

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  8. Moni: ah, pára, vai, banana é mó bom!

    Bob: hehehe, o Paulão é foda!

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