Abria o frigobar, enfiava a mão no gelo, tirava uma pedra e jogava no copo de suco... Bebida quente naquele calor era puro masoquismo. Virava os olhos e via um recado do bofe anotado na mesa. Caso meio novo, dois na retranca, comunicação delicada... As coisas até que são simples, as pessoas é que as vão complicando. O bofe era bem gostoso, tinha modos descontraídos, riso fácil e parecia não se estressar com quase nada. Era aquela imagem de liberdade que dava vontade de prender entre as mãos. Mas não podia, nem queria. Por isso a retranca. O fax foi cuspindo um formulário imenso, todo preenchido... Devia ser o memorado por que esteve esperando o dia todo, que vinha chegando apenas agora... Inevitáveis comparações, foi se lembrando da gata, na seqüência. Com ela não tinha essa coisa de retranca não... Com ela tudo fluía, desde o primeiro olhar. Conversavam sem reservas, sem medo de dizer ou ouvir críticas... Eram tantas confissões, tanta intimidade, tanta coisinha pequena exposta, como florzinhas se abrindo ao sol de primavera. Parecia que ela tinha nascido com seu coração nos olhos. Assim: um coração nasceu e esperou quinze anos até que o resto do corpo nascesse; e quando esse corpo já aos quase trinta anos, encontrou seu coração naqueles olhos, soube na hora: era como sempre houvera de ser. E o que mais poderia fazer então? Apaixonar-se era tudo. O fax tinha quase a metade do conteúdo corrompido. Teria de ligar pra enviarem novamente... Odiava ter de ligar, odiava telefone. Só gostava de telefonemas quando era ela quem os dava. Ele não, ele nunca ligava. Pensava nele, depois nela, depois nele de novo... Que destempero! Tava ligando naquela porra de setor e ninguém atendia. Mas como é que podia? Encaminhavam um fax e não ficavam perto do telefone pra ver se tudo ia bem? Muita gente tinha esses problemas com receptividade... O bofe, seu vizinho, estava sempre numa distância quase glacial... Já a gata, sempre tão próxima, alma coladinha, vivia em Buenos Aires... Tinha fome, começava a sentir uma fome absurda... E até um pouco de frio, em pleno mês de janeiro. Pensava agora se esse destempero da vida era mesmo coisa da vida ou se havia buscado viver uma situação como aquela, coisas que seu terapeuta talvez lhe perguntasse mais tarde...
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Gosto muito desses seus micro contos. São difíceis de comentar pois me falta conhecimento para poder exprimir melhor as minhas impressões por isso fica esse comentário bobo.
ResponderExcluirachei o texto lindo e sensível,como sempre. pra mim, ele diz muito. beijos, querida.
ResponderExcluirBob: ah, não precisa dizer altas coisas não! Me contento com o fato de vc ter gostado.
ResponderExcluirCris: Feliz que tenha gotado! <3
Show de bola!
ResponderExcluir