“O que foi que você disse? Repete pra mim, eu preciso saber!”... Mas nada, nada além da própria voz reverberando, batendo nas paredes vazias e voltando em direção contrária. Não havia ninguém, então nada havia sido dito... Obvio! Mas já era a quarta vez naquela noite em que ouvia palavras entrecortadas que juraria serem reais. Delírios... tão vívidos! Suava frio, soluçava... Dormia brevemente, acordava com a sensação da própria baba escorrendo pelo queixo. Mas que inferno! Fazia calor, suava, não tinha febre, mas sentia frio... A brisinha maldita entrava pela fresta da janela, passava pelo cantinho do cobertor e corria coluna abaixo, causando calafrios... Os cheiros do ambiente, cheirinho de pão recém assado, de comida da vizinha, de óleo diesel, eles davam muito enjôo... Tantos odores... E a voz dele sempre dizendo alguma coisa... Putaquepariu!, mas não era possível que estivesse delirando... Ele aparecia, dizia umas coisas incompreensíveis, fazendo cara de tsc-tsc-tsc, depois sumia. E as ondas de frio, depois, voltavam. Se havia inferno, era isso: o limiar entre o pesadelo e a realidade. Não saía da cama. Tentou uma vez, mas quando pôs o pé no chão, a cabeça latejou e a voz voltou a gritar: “você volta e fica bem quietinho no seu canto, que eu não te mandei levantar”. Caralho, que porra seria aquela? Nunca tinha passado tão mal, nunca tinha tido nada parecido. Queria naquele momento estar num corpo que não fosse o seu. Queria uma alma que não fosse a sua. Queria não ser. Nem a sorte de morrer lhe acudia, meudeus! Nada, não tinha expediente de que se pudesse valer: ia curtir as carnes no caldeirão maldito da culpa e do desespero. Nem rezando: se havia deus, devia ser bem o que destruiu Sodoma - só isso justificaria todo aquele mal estar. Mas... não, não havia deus nenhum, não havia solução mortal, não havia cura nem nada: tinha de conversar com ele, com ele que não atendia o telefone, que não respondia o email, que não queria dar sinal nenhum de existência. Como faria? – Voltar no tempo seria uma idéia interessante. “Rá! Como você é engraçado!” Outra vez sem resposta, salvo pela repetição da frase. Fechou os arrasados olhos buscando dormir. No interior das pálpebras se desenhavam manchas de graxa que se tornavam desenhos... Primeiro um carro, depois uma rodovia, depois um barranco que virou penhasco... Depois o carro saindo da rodovia e despencando do barranco-penhasco. Uma explosão enorme... Uma terrível onda de frio... As imagens então se embaralhavam, um grito abafado e pronto!, os olhos se estatelavam... Não tinha o que fazer... Não tinha nada... nada mais o que fazer... Restava apenas esperar passar, era a mesma sensação de esperar pelo messias que não vai chegar.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
A vida é boa - 2
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Belo! Tu conseguiu fazer uma bad trip parecer poética.
ResponderExcluirPoético? Ah, obrigada!
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