domingo, 28 de fevereiro de 2010

Como ser um cafajeste

Texto do Sr. XXX


Parte 1

Ouviu-a falar alguma coisa antes de ligar o chuveiro. Não entendeu o que era e também não importava. A conhecia havia coisa de um ano, nunca teve paciência pra conversar por muito tempo e provavelmente não teria agora. Não eram 10 horas e a manhã seria longa. Preferia a idéia que fazia dela ontem: um vestidinho curto cujo conteúdo encontrava-se convenientemente carente...

Terminara com o namorado dias antes e estava muito mais receptiva que de costume. O ex tinha deixado as coisas dela numa sacola velha pra buscar na tarde anterior, o que garantiu um saudável descenso em seu ego (em situações normais insuportavelmente elevado). A despeito dos contorcionismos faciais que fazia enquanto ela contava, entendia perfeitamente o cara. Menos por solidariedade de gênero e mais por ela ser quem era. Do tipo que colocava as próprias fotos de fio dental no facebook (com tags personalizadas).

Ele bebeu descontroladamente aquela noite, antes dela aparecer. Primeiro porque a festa estava uma merda, e segundo porque parecia que ia piorar. Quando ela ignorou os amigos e foi direto cumprimentá-lo, entendeu imediatamente o que estava acontecendo e o que ia acontecer. Agora só precisava relaxar, tentar parecer sóbrio e deixar a hipocrisia fluir, como sempre...

Era um cara comum, não era bonito. Só tinha chance porque elevava o cinismo ao status de virtude. É claro que aquele tipo de coisa - de dizer exatamente o que as pessoas queriam ouvir - falhava miseravelmente a longo prazo, ele sabia disso, tinha uma ex namorada pra comprovar e vinha tentando ser muito honesto desde então. Mas, merda! Era só um bêbado cheio de testosterona numa noite de rara sorte. E se você não puder justificar todo tipo de atitude cretina com o fato de ser só um bêbado cheio de testosterona numa noite de rara sorte, então não adiantava ter sorte e trocava a vodka por uma porra de uma schweppes.

...

Parte 2

Sentou no sofá e maquinou qual seria a melhor desculpa para mandá-la embora, mas mudou de idéia quando ela saiu do banheiro enrolada com a toalha apenas no cabelo. Pra falar a verdade, era óbvio que ela pensou na cena antes e fez de tudo pra parecer sedutora, mas não tinha a classe que julgava ter, exalava todo o sex appeal de uma garota propaganda de Cynar. Tudo bem, era mais do que suficiente pra uma manhã de domingo; ele não ia reencenar Instinto Selvagem, afinal.

- Pra que esse aquário? Você tinha peixe?

(Não. Eu precisava do aquário pra criar gado)

-Tinha, um Bits.

-Hmm ti fofo! Qual era o nome dele?

-Tem que dar nome pra peixe?

-Tem né! E cadê ele?

(escondido embaixo da cama!)

-Morreu.

-De que?

(bateu um papo contigo e perdeu a fé na humanidade)

-A faxineira disse que foi fome. Prefiro acreditar que foi solidão.

-Pode ser...e esse ap tem uma energia pesada né.

(Oh god! feng shui de boteco a essa hora da manhã?!)

-Ah eu não acho.

-Tem muito preto.

-Não gosto de coisa colorida.

-Compra outro?

-Outro apartamento?

-Outro betta. Deve ter no e-bay.

(claro, eles vão entregar enrolado no jornal bem ao estilo Godfather)

-Acho que não vai ter no e-bay.

-Menino tem de tudo no e-bay. Eu compro meu clemb lá.

-Clembuterol? Esse treco não é proibido?

-No e-bay tem de tudo.

-Esse troço é perigoso, moça. Tu fica uns 20 minutos numa taquicardia do cacete. Periga até sofrer uma parada cardíaca

-Ah, 20 minutos é pouquinho.

E sorriu. Cara, ela era linda. O cabelo, as tatuagens, o corpo, aquele sorriso. Tudo nela parecia perfeito. Vinte minutos não era pouco. Se ela pudesse passar 20 minutos sem dizer nenhuma estupidez, a pediria em casamento ali mesmo.

É claro que não passava de utopia. Agora por exemplo, os peixes a haviam feito se lembrar de uma cachorra que teve quando adolescente. A Loba. E ele se perguntou que tipo de gente chama uma cocker spaniel de Loba, e porque ele precisava ouvir aquilo. Mas não dizia nada, só sorria e fazia cara de quem se interessava imensamente por biografias caninas (da pet shop à roda da camionete).

XXX falar da desculpa pra ela ir embora e do taxi que não chegava nunca.

Enquanto esperava o elevador na volta, pensou na falsidade daquilo tudo.Ele não era exatamente um tipo belo e deveria se sentir agradecido pela oportunidade, mas desde que acordara fez todo tipo de anotação mental extremamente cruel sobre alguém que lhe tratava com absoluta (e imerecida) gentileza. E o que era ele, afinal? O que fazia dele melhor, mais capaz ou sequer mais inteligente que ela?

Não que se arrependesse de te-la despachado. Era insuportável (ao menos para ele) manter qualquer tipo de conversa com ela sóbrio e de ressaca. E ainda tinha o jogo no Morumbi dali a pouco, precisava sair cedo pra evitar transito.

XXX falar de consciência blábláblá

Talvez fosse o caso de procurar alguma dignidade no e-bay.

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