segunda-feira, 17 de março de 2008

Tanta chuva

Tem chovido muito, já há alguns dias. E pra essa moça, essa que está sentada em frente àquele micro ali no canto, pra essa moça a coisa toda da chuva constante é quase uma questão existencial. Ela tem a nítida impressão que sair em dias de chuva contraria um pouco a natureza. Ela agora se lembra de quando vivia no campo, ainda criancinha, e olhava pela janela enquanto a tempestade caía – ela sempre olhava. Tudo quanto era bicho estava escondidinho nessas horas, nenhum colibri e nenhum rato do mato e nenhuma jaguatirica e nem um louva-deus, nada passeava pela chuva. Os cavalos também, bem guardadinhos nas baias, os cachorros debaixo dos carros...

Ah!, a natureza sabe das coisas e nada é mais próximo da própria natureza do que os que não são civilizados. Bicho sabe o risco que corre saindo na chuva: céu de chumbo negro desabando em forma de água, isso não pode ser bom! Isso sem pensar no desconforto imenso que há em andar molhado e frio por aí... Dá uma melancolia, uma magoazinha que a gente não sabe de onde vem. Dá vontade de chorar pelo que nunca aconteceu, estranho!
Mas se fosse apenas a melancolia e o cinza do dia acinzentando a cidade, que é cinza por essência, se fosse só isso... Mas não é... Porque todo mundo precisa trabalhar. E trabalhar em dia de chuva faz dar mais vontade de tirar carro da garagem... Todo mundo tira e é aquela enxurrada de carro e água por tudo que é lado... Trânsito de horas e horas... E o cara que pega ônibus sofre em dobro... Esse é o caso da moça do computador aqui pertinho. Ela demorou uma hora e vinte pra percorrer apenas duas avenidas nessa manhã, se atrasou no trabalho, tomou advertência e ficou com essa carinha... Carinha de quem-não-namorou-no-finde-porque-o-amante-tava-resfriado... E resfriado por que? Por causa de frio e de chuva.
Nossa!, crueldade do mundo capitalista as pessoas terem de sair de casa debaixo de chuva, né? Mas a vida é assim, fazer o que?

Fazer o que? A única coisa muito boa a se fazer em dias de chuva – que não dormir: tomar uma imensa xícara de capuchino, dessas cheias de chocolate derretendo no fundo, que é o que a moça do micro tá fazendo bem agora.



5 comentários:

  1. adoro seus textos literários "molhados". lembro que das primeiras vezes que li seu blog tinha um texto lindo lindo sobre um dia de chuva. apaixonante mesmo.

    me deu vontade de caputchino.

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  2. Q bom q vc ghostou. Eu sou a coisa mais melancólica do mundo quando começa a chover e não pára mais... Pensativa...
    A propósito, vc sabe como escreve capuchino? Eu nunca sei... O nome é italiano, eu sei que alguma letra repete, só não sei qual... Rsrsrsrsrs.

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  3. Putz... o pior são os pés molhados... acho que é de lá que vem esse tristeza! hahahaha... Ótimo texto!

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  4. Eu ODEIO ficar com roupa molhada... Mas pé molhado é MUITO PIOR que todo o resto!!! Realmente, a fonte da mágoa deve ser essa!!!

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