quarta-feira, 23 de julho de 2008

Despedida




Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos

Quando anunciaste a despedida

E eu que habitara lugares secretos

E me embriagara com teus gestos

Recolhi as palavras vagabundas

Como a tempestade que engole os barcos

Porque ama os pescadores

Impossível separarmo-nos

Agora que gravaste o teu sabor

Sobre o súbito

O infinito parto do tempo



Por isso te toco

No grão e na erva

E na poeira da luz clara

A minha mão

Reconhece a tua face de sal



E quando o mundo suspira

Exausto

E desfila entre mercados e ruas

Eu escuto sempre a voz que é tua

E que dos teus lábios se desprende e se recolhe



Ali onde se embriagam

Os corpos dos amantes

O teu ventre aceitou a gota inicial

E um novo habitante

Enroscou-se no segredo da tua carne



Nesse lugar

Encostamos nossos lábios

À funda circulação do sangue

Porque me amavas

Eu acreditava ser todos os homens

Comandar o sentido das coisas

Afogar poentes

Despertar séculos à frente

E desenterrar o céu

Para com ele cobrir

Os teus seios de neve.








Pra tirar a zica de toda merda, um poema de um dos melhores escritores do século, o moçambicano Mia Couto. Seu forte é a prosa, em verdade. Mas o que dizer de um poema como esse?

5 comentários:

  1. queria escutá-lo falando seu poema no seu sotaque moçambicano.

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  2. o poema é belíssimo. Ainda mais pelas descrições do sujeito.
    "Comandar o sentido das coisas"

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  3. O que dizer de um poema como esse? É foda!

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  4. Lu: um sotaque que lembra o de Portugal, mas com suas particularidades. Eu tb gostaria de escutá-lo recitando... <3

    Ericka: um poema muito lindo mesmo...

    André e Cris: toda razão! :-)

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